Gente, esse texto eu encontrei em uma comunidade que tem escritores fakes. E geralmente todos os textos lindos que eu posto aqui são de lá. E hoje eu encontrei um que mexeu comigo profundamente. E como disse umas das fakes que comentaram sobre este texto lá: Escorreram-me lágrimas caladas por entre os olhos, só pude sentir o gosto salgado e a ardência em meus lábios rachados! E eu resolvi postar aqui :)
.Quando mamãe disse-me: tenho câncer
Ela sentou-me em seu colo, de frente para a janela como costumava fazer todas as tardes. Passou os braços macios e aconchegantes por minha cintura e deitou minha cabeça em seu ombro. Podia ouvir as batidas tímidas de seu coração. O barulho mais conhecido para mim. Afinal, foi a única coisa que pude ouvir em nove meses. O meu e o dela, sincronizados e lutando para que eu nascesse. E então ela me disse:
- Filha, mamãe está com câncer.
Olhei para ela, buscando uma explicação melhor, mas não encontrei.
- E isso é bom mamãe?
Ela baixou os olhos verdes como meu peixe preferido e esboçou um sorriso apagado. Balançou a cabeça e deu um suspiro tão baixo que mal pude captar.
- Não minha princesa, isso não é nada bom.
- Mas você vai precisar viajar assim como papai?
Ela olhou pela janela, perdida e mergulhada em lembranças que eu sabia que eram de papai. Seus olhos ficaram úmidos e resolvi abraçá-la como abraçava minhas bonecas quando as deixava cair. Ela afastou-me delicadamente e colocou-me de frente para ela.
- A mamãe vai ficar com você meu amor. Agora cadê a Iarinha? Parece que estou ouvindo um choro lá do seu quarto. Ela deve estar com saudades de você.
Deu-me um beijo na testa e eu saí para ver o que a boneca queria. Talvez ela soubesse o que era câncer.
Coloquei a leve boneca em meu colo do mesmo jeito que mamãe fazia comigo.
- Iarinha, você sabe o que é câncer?
Ela continuou olhando com seus olhos azuis e seu sorriso paralisado. Deduzi que não soubesse, então a deixei de lado e resolvi pensar. Eu poderia descobrir sozinha afinal.
“Bom, se mamãe disse que era uma coisa ruim não pode ser borboleta, nem pode ser verde. Olhei-a hoje e ela parece igual. Não tem machucado nem arranhão então deve ser dentro dela.
Verme? Aprendi na escola que verme é coisa ruim e vive dentro da gente. Será que câncer podia ser o nome de um verme? Não, acho que não.
Minhoca? Mamãe comeu uma minhoca e a minhoca transformou-se no câncer? Ah! Desisto!”
Saí de meu quarto e mamãe ainda estava lá. Voltei a sentar em seu colo e afaguei seus cabelos. Ela olhava para a janela.
- Para onde está olhando mamãe?
- Para meu interior, querida.
- Para o câncer?
Ela se virou para mim e me olhava de uma maneira amorosa e paciente. Aquela maneira que os adultos olham para as crianças quando estas fazem perguntas insensatas, mas que para elas, são repletas de sentido.
- Sim, para o câncer.
- E ele conversa com você mamãe?
- Não minha filha.
- Então o que ele quer?
- Ninguém sabe, agora vá brincar.
- Só mais uma coisa.
Ela assentiu.
- De que cor é o câncer?
Ela pensou por alguns segundos e disse por fim:
- É negro, querida. Da cor da noite que engole o sol e dos seus pesadelos.
Abaixei a cabeça e me afastei. Então era negro. Fiquei com medo do câncer. O que ele estava querendo dentro da minha mãe? Queria engoli-la como fazia com o sol? Queria envolvê-la e prendê-la como fazia nos meus pesadelos? Eu sinceramente não sabia. E mesmo que tentasse não poderia descobrir sozinha. E por pior que isso fosse ninguém me ajudaria.
Anoiteceu e decidi passar a noite ao lado de mamãe. Não dormi. Ela me acariciou com suas finas mãos e depois de um tempo adormeceu. Passei toda a noite olhando-a e admirando seus traços delicados e ao raiar do sol ela olhou-me com o verde mais lindo de todo o mundo e sorriu.
Passamos o dia todo juntas. Iarinha chamava-me, mas contei a ela sobre o câncer e que tinha que passar mais tempo com mamãe, para mostrar a ele que ela não ligava nem gostava dele. Quem sabe ele fosse embora assim.
Os dias passavam e as noites também. Fui me moldando para caber exatamente nos braços de mamãe durante a noite e quase não dormia a fim de protegê-la de qualquer coisa.
Mas mamãe foi mudando. Quando me olhava, o verde de seus olhos não era mais brilhante como as estrelas, era opaco, embaçado. Foi ficando fraca e não aguentava mais correr em volta de todas as árvores do jardim, nem gostava mais de deitar na grama e contar as borboletas.
Não queria mais comer nem fabricar biscoitos mágicos comigo na cozinha. Foi ficando magra e seus braços já não eram mais tão macios. Eram duros e ao mesmo tempo frágeis. Mas continuava sendo minha mãe e eu via que o câncer nunca a abandonara. Deixei de dormir com ela, pois ela já não dormia mais, rolava na cama e agonizava de dor.
Foi então que tive um sonho uma noite. Mamãe era um anjo e estava linda, mais que uma princesa. Ela sorria para mim e o verde dos seus olhos era como antes. Sua pele voltara a ser rosada e macia e mesmo com a distância, eu sentia que estava livre. Livre do câncer e livre para vivermos felizes, como sempre fomos.
Acordei correndo e fui até o quarto dela para comemorarmos juntas. Queria beijá-la e abraçá-la até ficar sem fôlego, cantar e dançar para ela, pois sabia que ela sempre ficava feliz com isso.
Porém quando cheguei lá mamãe não se mexeu. Toquei nela e vi como estava fria, petrificada. Sua boca era negra e seu corpo transbordava câncer. Estava presente em seus olhos, suas unhas, sua pele, seu coração.
Eu não sabia o que era o câncer, mas era mais forte que eu. Tomou conta de mamãe, expulsou sua alma e prendeu seu coração. Engoliu seus olhos e sumiu com o brilho. O brilho do verde e da minha vida.
(quem escreveu)